A proposta do Governo situa a educação
de alunos com NEE numa plataforma de insucesso nunca vista desde abril de 1974.
A crise recorrente em que se encontra a educação de crianças e adolescentes
com necessidades educativas especiais (NEE), pelo menos nos últimos dez anos,
está a custar-lhes o futuro. A falta de visão demonstrada por técnicos do
Ministério da Educação, professores do ensino superior, diretores de escolas,
outros profissionais de educação e até pais, no que respeita à área de educação
especial, tem coartado a muitos alunos com NEE o acesso a uma educação de
qualidade alicerçada no princípio da igualdade de oportunidades.
É por demais evidente que quer a designada “reforma da educação especial”,
ocorrida no Governo de José Sócrates, que culminou na publicação do Decreto-Lei
n.º 3/2008, de 7 de janeiro, quer a remodelação (revogação?) deste mesmo
decreto que ocorrerá muito em breve, sendo substituído por um renovado
decreto-lei que aprova o novo “Regime jurídico da educação inclusiva no âmbito
da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário”, não servem de forma
alguma os interesses dos alunos com NEE, muito menos os seus direitos.
Vejamos porquê. Nenhum dos elementos do grupo de trabalho que produziu o
documento agora para aprovação, à exceção de um (é-lhe aqui dado o benefício da
dúvida), é versado em matérias que digam respeito à educação de alunos com NEE.
O parecer, elaborado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE, abril 2018),
coordenado pelo conselheiro para a educação especial David Rodrigues, não passa
de um aglomerado de palavras, ao bom estilo do pós-modernismo e/ou do
construtivismo social, a demonstrar uma ignorância constrangedora, embebida de
uma profunda ideologia anticientífica, cujo propósito parece ser o de enterrar
de vez os serviços de educação especial e, consequentemente, atirar os alunos
com NEE para situações de exclusão funcional. Deste parecer, o que me pareceu
mais sensato ainda foi a declaração de voto de Luís Capucha. Numa palavra, quer
o documento em questão, emanado do Ministério da Educação (ME), quer o parecer
do CNE, situam a educação de alunos com NEE numa plataforma de insucesso nunca
vista desde abril de 1974.
Tantos são os casos de anticiência que, num artigo de opinião, não só me
seria impossível nomeá-los a todos, como também não seria nada curial tentar
explaná-los aqui. Contudo, há aspetos que merecem referência, de entre os quais
saliento o conceito de inclusão, e, por arrasto, de escola inclusiva, a
descategorização e o processo de atendimento eficaz às necessidades dos alunos
com NEE.
Quanto ao conceito de inclusão, no documento do ME, com a concordância do
CNE, ele é entendido como um movimento para fundir os dois tipos de educação
(regular e especial), inserindo todas as crianças com NEE nas classes regulares
(inclusão total). O que não foi entendido pelos “especialistas”, que
“fabricaram” ambos os documentos, é que a investigação mais recente tem
denunciado este posicionamento como “muito pouco sensato”. Investigadores de
grande nomeada internacional, como Mary Warnock e James Kauffman, chamam a
atenção para o facto de que a inserção de alunos com NEE, sem exceção, enquanto
princípio único, “não se encontra longe de ser uma abordagem fundamentalista”,
podendo, num grande número de casos, ser prejudicial quanto às aprendizagens
desses alunos e ao seu futuro.
Um outro erro de lesa-pátria, em termos científicos, é a assunção de que a
descategorização promove equidade educacional. De forma alguma. Realço o facto
de que não é possível discutir seja o que for, sem se ter uma denominação para
designar as características específicas a merecerem a nossa atenção, neste caso
dos alunos com NEE, por parte de professores, outros agentes educativos e pais.
O movimento na direção da exclusão da categorização não passa de uma
“verborreia” pós-moderna, sendo, segundo os estudos mais recentes, um indicador
típico de regressão e nunca um indício de progresso científico.
No que respeita ao processo que, eventualmente, pretenderá dar respostas
eficazes às necessidades dos alunos com NEE, o documento do ME é deveras
confuso. Entrosa relatórios (Relatório técnico-pedagógico) com programas
(Programa educativo individual), sem entender que o objeto de um “relatório” é
diferente do objeto de um “programa”. E vai mais longe, ao introduzir níveis de
atendimento para “todos os alunos” (leia-se alunos que, segundo esta nova
legislação, frequentarão a tempo inteiro as classes regulares, salvo raríssimas
exceções), baseados em modelos de tipologia multinível cuja familiaridade
educacional é desconhecida pela maioria dos docentes, quer do ensino regular,
quer da educação especial, quer ainda da maioria de outros agente educativos, e
cuja investigação ainda não é conclusiva quanto à sua validade. Contudo, se o
documento do ME for ratificado, pese embora a “imaginativa formação” de meia
dúzia de horas com que Filomena Pereira, a nível nacional, anda a presentear os
professores, o conceito de inclusão (escola inclusiva) continuará a ser
confundido com o conceito de “escola para todos”, a “classificação por
categorias” passará a “classificação por níveis” e o processo que, em
princípio, poderia levar a respostas educativas eficazes para os alunos com
NEE, passará a ser uma dor de cabeça para professores e pais e, porventura, uma
via de maior insucesso para estes alunos.
Termino com as palavras sábias de um dos maiores especialistas a nível
mundial nesta matéria, James Kauffman, quando diz: “As ‘narrativas
alternativas’ ou os ‘factos alternativos’ da gíria do pós-modernismo e do
construtivismo social e a assunção de que a ciência produz apenas ‘informação
falsa’ minam a identidade, a autoridade, o enfoque claro e quaisquer outras
indispensabilidades no que respeita à educação de alunos com NEE, tendo em
conta a inquestionável importância dos serviços de educação especial.”
Professor Catedrático Aposentado, Universidade do Minho
Texto Publicado no Jornal Público (15 de Abril de 2018)