Ao longo dos últimos anos tem
aumentado exponencialmente o número de crianças diagnosticadas como tendo um
quadro de Hiperatividade com Défice de Atenção (HADA), bem como aquelas que
precocemente iniciam medicação regular com psicoestimulantes.
Em Portugal, só no ano passado
foram vendidas mais de cinco milhões de embalagens desse grupo de psicofármacos
destinados a menores de 15 anos de idade, quando a população total de crianças
e adolescentes até esse limite etário está longe de chegar aos dois milhões.
De repente, parece lógico
perguntar se todos estes rapazes e raparigas são verdadeiros hiperativos ou se
apresentam realmente dificuldades de concentração, num quadro descrito como
secundário a um problema de segregação de neurotransmissores (substâncias que
permitem o contacto entre células cerebrais) que de forma exclusiva parece
centrar-se na resposta medicamentosa.
Em “Hiperatividade e Défice de
Atenção: Da Presença e Ausência de Si”, livro a ser editado neste mês pela
Fundação Francisco Manuel dos Santos, tentamos dar uma visão mais abrangente do
problema, incluindo na questão diagnóstica, que claramente parece ter origens
diversas consoante se olha para cada caso específico, e ainda da resposta
terapêutica que deve compreender uma gama de alternativas mais vasta do que a
simples medicação. De facto, a HADA pode ter origem em múltiplos fatores ou
situações, alertando-se desde logo para a necessidade de se fazer uma leitura
emocional de cada criança e adolescente no seu contexto dinâmico, ou seja, olhando-os
através de um potencial genético que herdaram, mas também em função das
múltiplas interferências ambientais, como ritmos de vida, circunstâncias
familiares específicas, adequação escolar, entre outras possibilidades, e
fazê-lo ainda olhando cada um na sua evolução temporal, juntando passado,
presente e futuro. Todas as situações têm uma origem, desenvolvimento e
consequências.
Vejamos assim alguns exemplos
comuns:
– Ritmo de vida diário. Vivemos
em sociedades em que cada vez mais o que é dado e simultaneamente esperado de
uma criança é processado a uma velocidade imensa, com um padrão de estimulação
e uma expectativa de resposta multitasking. Ter e dar mais tempo de
tranquilidade e relação afetiva com os mais novos parece ser uma boa resposta.
– Introdução de Regras e Limites.
Há cada vez mais crianças que “não param” porque, simplesmente, não respeitam a
presença de barreiras limitadoras, incluindo o que poderemos designar por uma
autoridade protetora. Mesmo quando tal acontece, a dificuldade em suportar a
frustração é pobre, e a resposta impulsiva predomina. Delimitar regras diárias
simples, ajudar a manter ritmos adequados de sono e vigília, aceitar como
normais alguns momentos de frustração, é ajudar precocemente os mais novos
nesta tarefa de desenvolvimento.
– Melhor balanço Escola
(trabalho)/Lazer. Ao contrário do que muitos pais podem pensar, as crianças e
os adolescentes de hoje passam em ambiente escolar uma quantidade de tempo
incomparavelmente maior do que a nossa geração alguma vez o passou, estando
sujeitas a critérios e expectativas de exigência desadequadas para algumas
faixas etárias. Os tempos de recreio e espaços verdadeiramente “livres”
diminuíram e são considerados vulgarmente “desnecessários”, o que é um erro
dramático para toda uma geração.
– Adequação de Estímulos
Ambientais. Incluindo os que estão presentes no jogo e nas atividades lúdicas
em geral, hoje em dia dominados quase em exclusivo por videojogos aditivos,
agressivos e proporcionadores de excitação psicomotora. Promover alternativas
saudáveis, incluindo desportos de grupo e o contacto regular com a natureza,
seriam ótimas ideias.
– Por último, no campo da
psicopatologia é ainda importante recordar que muitas queixas (talvez a
maioria) de situações de HADA são claramente reativas ou secundárias a fatores
externos. Contudo, há também quadros clínicos que, podendo dar exatamente estes
mesmos sinais, devem ser corretamente valorizados sendo alvo de uma intervenção
precoce, sobretudo nos casos de alguma patologia depressiva da infância ou
perturbações--limite ou border-line já na adolescência.
Olhar para a HADA é uma tarefa
muito mais desafiadora do que simplesmente rotular e medicar. Será por isso que
parece tão difícil aceitar-se a necessidade de um novo paradigma de diagnóstico
e intervenção?
PEDRO STRECHT
Fonte: Visão